Já são 10 da manhã quando tomo a estrada, não era o plano inicial, mas nada grave, já que nenhum plano resiste à vida real. A primeira intenção é pedalar um bom pedaço hoje para chegar o mais perto possível de Florianópolis e chegar lá amanhã, espero. Pego o mesmo caminho percorrido há alguns dias à beira mar e seguindo a larga praia de Navegantes, depois a balsa para atravessar o canal e chegar em Itajaí. Paro numa praça, ponto de wi-fi livre, para comer uma banana e verificar um pedido de alojamento, mas impossível de se conectar. Ao pedir ajuda para uma garota que está sentada ao meu lado, conheço a Jack que saiu do Equador há quatro anos e cruzou a América do Sul de carona. Trocamos muitas informações, uma boa conversa e belas vibrações por várias horas. A Deixo por volta das 15h para pedalar mais duas horas e avançar na estrada que leva a Floripa. Ciclovia em direção ao bico do papagaio, logo depois surge um cara na minha frente pedalando com um galão de gás dentro duma caixa no bagageiro. É o Daniel Rosa, com a sua bicicleta rosa, conversamos ao passar pela praia de Cabeçudas, serve-me como guia ao mesmo tempo e informa que a próxima subida será terrível e vou ter que empurrar, o que ele faz logo no começo, eu pedalo dois terços antes de empurrar também. Uma boa descida e chegamos à Praia Brava, são apenas 7km desde que saí de Itajaí e Daniel já me convida a parar novamente para tomar uma bebida em casa. Mais uma vez, o plano inicial quebra, mas eu aceito, portanto será impossível para mim chegar em Florianópolis amanhã, mas como sempre me adapto. Daniel, recentemente separado, mora em uma garagem à beira de um terreno baldio, onde começa a construção de um prédio. Ele se reconstrói lá. Logo explica que eu posso ficar para a noite, se eu quiser, a garagem é grande o suficiente para me instalar como eu achar melhor.

Ele me oferece fumar um baseado na praia, há tempo que não fumo, aceito e aqui estamos a bater um papo, os pés na areia aproveitando os últimos raios de sol. 

A luz é linda neste momento, à distância alguns parapentes acima das colinas brincando com as térmicas e na esquerda as grandes torres gêmeas nas construções de Camboriú, a Dubai do Paraná super urbanizado. É impressionante visto a partir do nosso log de madeira, mas não dá vontade de ir, apesar de passar por lá amanhã porque fica no meu caminho.

O sol se foi, na sombra a temperatura está esfriando, é hora de voltar para a garagem.

Na entrada, à esquerda, uma mesa cheia de legumes, frutas, ovos, arroz, macarrão, vários ingredientes, o suficiente para fazer uma boa refeição.

Proponho-lhe compartilhar minha comida e preparar um bom jantar. Ele oferece para comprar frango, mas eu recuso argumentando que temos tudo que precisamos, só precisa me deixar fazer. Fechado! 

Enquanto isso, Daniel me ensina sobre o Chimarrão, uma típica bebida sul-americana da cultura ameríndia guarani, que é consumida em uma cuia com uma bombinha (uma espécie de canudo de metal). É consumido com uma mistura de ervas, sempre na íntegra, e a pessoa que bebe sempre preenche a cabaça para a seguinte.

Primeiro dia em que ele finalmente tem gás, que instalamos em frente à entrada da garagem. Para o seu batismo de fogo decidi preparar um risoto de legumes com ovos, pois tendo apenas uma grande panela para cozinhar é o que me parece mais lógico. Um amigo dele vai chegar em breve, eu não tenho que economizar na quantidade. Obviamente salpico várias temperos e lanço mão do meu gás para aumentar o risoto com dois ovos fritos. O prato é enorme, mas os três, famintos que estamos, acabamos rapidinho com ele.

Ao final, o amigo de Daniel vai embora, conversarmos ainda e termino a degustação culinária com uma tapioca de banana, uma fatia de mussarela e doce de leite, aprendida com a Mônica, e que se torna um clássico em toda esta aventura brasileira.

Ele curtiu a minha cozinha e ficou encantado, aparentemente o lembra da comida de sua avó no sítio, um batismo perfeito!

Então é hora de relaxar, seu colchão em um lado da garagem e eu do outro lado no meu pequeno colchão de campismo sobre o cobertor térmico de sobrevivência no chão, tomando o cuidado de bloquear com algumas coisas a corrente de ar fria que passa por baixo da porta perto de mim.

Na manhã seguinte, ao despertar, o disco solar brilhante sobe no oceano enquanto Daniel prepara um Chimarrão e rapidamente ele enrola um baseado. 

Eu tive a má ideia de fumar, prefiro ter ideias claras quando viajo.

Felizmente preparo o café da manhã, ovos mexidos com leite em pó e um pouco de tapioca na torrada e frutas cortadas com passas, amêndoas e coco seco. Mais uma vez curtimos a comida, passo algumas ideias de receitas simples para variar as possibilidades de gosto, a conversa continua e eu deixo lentamente dissipar os efeitos vaporosos da minha mente esfumaçada. Daniel me encoraja a ficar mais tempo, mas quero seguir minha agenda e começar a pedalar para chegar amanhã ao destino antes que Josiane, que deve me receber via couchsurfing, não se vá para o fim de semana.

Agradeço-lhe pelos momentos compartilhados, no entanto, ele fica um pouco irritado por eu não ficar mais tempo, mas ainda me acompanha até a saída da cidade, onde nos despedimos com a memória deste belo encontro.

No caminho um ciclista me dá uma irônica "boa viagem" pelo caminho, ela notou meu estado alterado, eu não gosto nada disso, quero que o efeito seja totalmente dissipado. Daniel ri da situação, está visivelmente acostumado a circular dessa maneira.

Melhor perceber minhas andanças com energia pura, mente clara, sem necessidade de alterar essa realidade tão linda que quero viver com todo meu ser.

Depois do primeiro morro e das primeiras gotas de suor já me sinto muito melhor. Depois de 10km cheguei na verticalizada Camboriú, muito urbanizada, demais para o meu gosto, eu pedalo pela avenida Atlântica até o lugar do Molhe da Barra do sul de onde sai um teleférico. Encontro Borba que vende pratos decorativos para pendurar na parede, conversamos uma boa hora, às vezes aprendemos mais conversando com algumas pessoas por pouco tempo do que com outras por anos. Super amável, ele acaba me dando um desses pratos, uma espécie de presente de grego, considerando o peso, que logo terei que passar para frente. Continuando ao longo da costa, chegando na praia de Taquaras e depois ao Estaleiro e finalmente Ilhota e praia do Porto, onde entro na BR-101, se eu quiser chegar amanhã em Florianópolis tenho que pedalar pesado, então eu boto a cabeça pra baixo e vou pedalando rápido até Tijucas, onde finalmente paro para a noite em um hotel charmoso à beira da via expressa. Depois de comer uma refeição na cafeteria local, volto para o quarto para relaxar, não são nem 20h e já adormeço, amanhã chegarei ao meu destino um pouco atrasado.