Segunda parte do texto do Mônica de nosso rolê de carro.



Vamos em frente, rumo à Serra do Rio do Rastro, o destino está próximo, Orleans e depois Lauro Müller, onde parece ser impossível achar uma pousada decente e barata já no fim do dia. Seguindo rumo à Serra, o povoado adjacente traz a solução. Guatá faz parte de Lauro Müller e tem conforto e ótima comida para nos receber a um preço bastante camarada, pós negociação de Greg, que tem o dom de despertar a generosidade nas pessoas, tocadas por sua aventura e coragem de atravessar o mundo de bike. A cama alta e recheada de cobertas foi crucial para a noite mais gelada até então. Assim como o jantar, o café da manhã é farto e nos mune de energia para a subida da serra, Greg vai pedalando e eu de carro, pois não perderia por nada o passeio pela estrada mais bonita do Brasil. A bicicleta estava leve (sem cargas) mas a subida era pesada. A cada curva um visual mais deslumbrante, alguns com mirante próprio para uma rápida parada. Assim fui de mirante em mirante, câmera à mão, aguardando a chegada da bike para registrar o desafio e o maravilhoso vale. No topo, vento forte e frio justificaram as várias camadas de roupa, que não costumo usar no inverno, mas aqui a sensação térmica devia estar negativa. Me surpreendo com a quantidade de turistas, pois a subida dos carros é lenta e não percebemos que toda essa gente se acumularia no último mirante, café e restaurante do alto. Um ciclista que Greg encontrara no caminho dá a dica para conhecermos um cânion próximo sem pagar para entrar, já que a propriedade é particular. Esconder a bike no carro, pular cerca e desbravar o caminho? Moleza! Após um amplo descampado de mato seco, nos deparamos com um abrupto cânion a dividir a paisagem, por onde passa o vento que move a fazenda de energia heólica logo ao lado. O cenário é realmente fantástico, digno de contemplação, sobre um tronco velho, retorcido e solitário no meio do nada, à beira do tudo!

Missão cumprida, é hora de descer a montanha. Greg vai à frente, tem a vantagem de cortar os carros que ainda cheiram a freio queimado. Eu vou com calma, reparando que ainda há gente subindo à pé, correndo ou puxando pneus (promessa ou treino?). Chegarão no topo à noite, imagino. Perco Greg de vista e meu pensamento foge de novo para as lembranças de Junior. O choro vem forte, em prantos e soluços e paro em um dos mirantes com a vontade de gritar muito alto para que o vento leve meu amor até ele. O sol vai se por, decido vê-lo sozinha, do alto da praça, já em frente à pousada. O momento é de gratidão, por me permitir essa proximidade com tudo que é mais importante pra mim.

No dia seguinte seguiríamos de volta ao litoral, para conhecer a famosa Torres. No caminho, algumas placas de cachoeiras nos convencem a sair um pouco da rota. Estamos nas proximidades da Barragem de São Bento, que alagou um vilarejo inteiro. Ou quase inteiro, já que a torre da Igreja ainda pode ser vista, resistindo às águas, no meio do lago. A tal cachoeira não encontramos, mas a igrejinha submersa valeu o desvio. 

Já no Balneário das Gaivotas, área de lagoas, encontramos um bom local para que eu experimentasse o primeiro acampamento. A Lagoa de Fora tem uma área verde com mesas de madeira e espaço de lazer, que nos parece ideal para preparar um almoço. Greg vai abrindo suas malas e a mágica começa. Tudo que é necessário está ali, mini fogareiro a gás, mini panelas, mini talheres, e ainda levei meu mini coador de café para combinar! O cheiro é bom e a curiosidade de um grupo de crianças as faz criar o seu próprio piquenique. Dividimos a mesa com prazer! Eles moram por perto, a lagoa está em um bairro residencial meu povoado e próximo à estrada. Dormir por ali poderia não ser tão ideal, então partimos à procura de outro espaço para o acampamento, descoberto nas imediações, sob a proteção de um muro que cerca o campo de futebol municipal de uma floresta de eucaliptos. Montamos a barraca já no escuro, com temperaturas despencando. As mil roupas dentro do meu saco de dormir (algumas térmicas emprestadas por Greg) não foram o suficiente para um sono relaxado, ou pelo frio, ou pelo terreno que limpamos improvisadamente e nos parecia plano, mas que me fez escorregar a noite toda dentro da barraca. Tudo bem! Acordo feliz pela experiência, olheiras fazem parte!!! Voltamos à Lagoa para preparar o café, e somos bem recebidos por “Couro”, um morador local que indica outro ótimo ponto de acampamento em um destino futuro: O Café Colonial do Louro, em Praia Grande, que apesar do nome fica na Serra que divide os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mas antes de chegar lá, passaremos por Torres e eu já sentia o cheiro da cuca de chocolate que comprei lá dias antes, quando passei de carro, no caminho de Porto Alegre ao Farol de Santa Marta.

Torres é uma cidade de bom tamanho, algumas avenidas duplas, muitos prédios, hotéis, pousadas. Mas com Greg a hospedagem é sempre uma emoção reservada para o momento da chegada! Encontrar o quarto que vimos anunciado na internet pela simples foto da vista da janela (uma loja de construção do outro lado da rua) foi fácil! Alugamos direto com o proprietário, desculpe pela comissão não recebida Airbnb! O dia lindo de azul intenso nos levou à praia assim que descarregamos as malas. 

No caminho até Torres as poucas praias que vimos eram um tanto sem graça, água turva pelas algas trazidas pela maré, retas, sem morros, florestas ou coqueiros, como já me informavam ser todo o litoral gaúcho. Torres, portanto, me surpreendeu. A beleza peculiar das falésias de rocha, paredões esculpidos com maestria pelo mar, que o homem logo venceu esculpindo escadarias tão íngremes quanto as falésias, para nos levar do topo ao chão e de volta em cada parte do caminho. E são muitas as torres de pedra que recortam a praia, criando pontos de pesca únicos para os que não temem risco algum. É bonito ver o lançar das longas linhas de pesca, varas também imensas, e ao longe o pequenino pescador, na beira da imensidão rochosa. As pedras escorregadias, o mar que explode nas rochas e as placas espalhadas pela trilha avisam das áreas de perigo, mas é impossível não ser seduzido pelo mistério que os precipícios guardam, para além daquele horizonte interrompido. Quando parecemos chegar ao fim da sequência de torres, duas solitárias montanhas de pedra sobre a areia lisa da praia sinalizam que ali sim, é o fim deste cenário. A montanha maior tem seus 124 degraus a subir. Não parecem tantos, embora a altura seja realmente de impressionar. Mais uma vez nos tronamos quase invisíveis no alto do mostro de pedra. Mas já era hora de voltar. Aquela Cuca me chamava! 

Fiquei na vontade, não era dia de cuca na padaria. Mas o pastel de carne recheado com ovo cozido eu fiz Greg experimentar! E ainda o pãozinho integral que levamos pra pousada, negro, crocante e uma delícia.

Café no quarto, arrumação de malas e pronto, seguimos para uma despedida da praia, antes de seguir novamente para terreno de montanhas. Pela manhã as paredes das torres de pedra estão mais iluminadas, repetimos quase todas as fotos, novos ângulos, nova luz. Nas últimas torres da praia Greg quis subir a pedra mais íngreme, que não tinha escadas, mas sim uma proteção contra os aventureiros de plantão. Proteção de arame superada, escalou até o topo antes mesmo que eu subisse novamente os 124 degraus do outro monte. Lá do alto, tiramos fotos um do outro, cada um orgulhoso do desafio vencido. Na volta, um simpático pescador já guardava nosso almoço, peixes recém-pescados, que levamos ainda vivos até o próximo destino.