Esse texto é a visão da Mônica de nossa aventura de 12 dias , achei interessante de ter dois pontos de vista da mesma história:



Me diga quando e onde e lá eu estarei. Sem me importar com o roteiro a seguir, afinal o plano não é não ter plano? Então fui.

Ao sair de casa para um lugar totalmente novo e desconhecido, fui desenhando a jornada à minha frente em muito boa companhia, descobrindo mar e serra, frio e calor, horizontes e abismos, paz e ventania, lágrimas e sorrisos. Respirar novos ares, buscar energias mais leves e puras, sentir meu corpo pulsar, era simplesmente essencial para tentar superar a dor profunda da perda de um filho.

Greg me disse quando e onde, e então eu cheguei. Após uma madrugada inteira em ônibus, 1 hora e meia de avião e mais 400 km de carro alugado, encontro as ruas estreitas e casinhas simples e coloridas do Farol de Santa Marta, no litoral de Santa Catarina. Greg me aguarda no gramado da Pousada e logo me apresenta a bela vista que escolheu para o primeiro pôr do sol. Pena que o sol foi mais rápido que eu, que havia parado no caminho para comprar o biquini esquecido em São Lourenço. Na cidade anterior entrei numa loja em liquidação e em 5 minutos comprei o primeiro biquini que vi, pois queria já acordar e ir para o mar na manhã seguinte. Não imaginava o vento gelado que me aguardava.

A noite caiu rapidamente e a luz do Farol já nos atraía, ao rodopiar incessantemente, lançando feixes de luz que revelavam a densa camada de nuvens acima de nós. Após mil tentativas frustradas de registrar essa beleza em fotos ou vídeos, fomos descansar, pois Greg também havia pedalado um bom trecho para chegar ao meu encontro.

A manhã nublada, mas não menos bela, nos permitiu conhecer o Farol de perto com toda sua imponência. Construído pelos franceses em 1891, é considerado o maior da América e o terceiro do mundo em alcance de foco de luz. Pode ser visto a 34 km de distância a olho nu, o que ajuda os navegantes a evitar os perigos da Pedra (ou Parcel) do Campo Bom, uma laje com cerca de dois quilômetros de extensão. A vegetação de cactos e as pedras ao redor são também amáveis surpresas, especialmente por estarmos no alto de um braço de terra que permite uma vista de quase 360 graus. Perfeito local para um farol. Só fico imaginando o trabalho para erguer suas grossas paredes em área tão inóspita, usando uma mistura de pedra, concha, areia, barro e óleo de baleia. Da bela paisagem, contemplo o infinito e meu pensamento viaja com as ondas e o vento até meu amado Calvin, como eu gostaria que ele estivesse ali comigo, que compartilhasse esse momento de descobertas e encantamento...

Seguimos então pelas ruas da vila para conhecer os sambaquis (amontoados de conchas feitos pelo homem há alguns séculos) e ver dunas e praias ao longe. Depois fomos arrumar a bagagem no pequenino carro que aluguei em Porto Alegre. Era hora de saber se o universo estava realmente do nosso lado, pois não imaginei que a vida inteira de Greg (que viaja pelo mundo de bicicleta) caberia naquele carrinho minúsculo, que já levava minha única mala, saco de dormir e colchão de acampamento. Mas ele está acostumado, em dois tempos desmonta a bike e carrega todas as suas malas e acessórios junto às minhas, bastando dobrar o banco traseiro para estender o porta-malas. De volta à estrada, o destino escolhido também já era certo: Praia do Rosa.

No caminho paramos numa peixaria para comprar uma enorme Tainha, que seria a melhor que já comi na vida (e também a primeira rs), e ainda meio quilo de camarões grandes. Na balsa que atravessa para Laguna, terra da Anita Garibaldi, a chuva fina dera uma trégua e saímos do carro para nos surpreender com os primeiros golfinhos da viagem. Mais à frente, em outra parada, fomos até a ponta de um caminho de pedra que delimita rio e mar, onde pescadores lançam suas redes e golfinhos se banqueteiam. Mais uma vez eles se apresentaram com graça, surfando ondas e provocando momentos únicos de plena satisfação. Ao chegar em Imbituba, cidade da Baleia Franca, não tivemos a mesma sorte e foi possível avistar apenas os enormes navios cargueiros que aguardavam sua hora para atracar no porto comercial. Um local nos indica, no entanto, que baleias foram vistas na praia de Ibiraquera. Bora pra lá! O caminho é de terra e cascalho, coitado do carrinho alugado! Coitada da motorista! Voltamos um trecho para seguir pela BR e chegamos à tal Ibiraquera. Trata-se de um loteamento ainda pouco habitado, recortado por ruas perpendiculares à praia, na areia, em intervalos equidistantes, pequenos piers de madeira para avistamento do mar. Ao escolher uma rua, nos deparamos com o píer e bum! Lá estavam elas, exibindo nadadeiras e dorsos e esguichando borrifos de água para o deleite de quem estava ali somente por elas. Gritamos de alegria! Escolhemos a rua certa, o píer certeiro!

Uma alegria contagiou o carro, já animado com as músicas no som portátil de Greg, e finalmente chegamos à Praia do Rosa, onde uma cabana charmosa, escondida no meio de muito verde, seria só nossa por três dias. Mas estava tão escondida que custamos a encontrá-la e mais uma vez perdemos o pôr do sol! Não perdemos a fome, era hora de preparar a Tainha!

Acender o fogo da churrasqueira foi fácil, difícil foi resistir ao cheiro de peixe defumado, que assava lentamente, aguçando ainda mais o estômago vazio. Degustamos o peixe e descobrimos que a gordura da barriga não havia sido retirada na peixaria. Seria esse o segredo para a carne ficar tão saborosa? Prefiro pensar que foi a dupla de chefs que acabara de ser formada! O vinho completou a noite, que foi uma delícia realmente completa!

A quinta-feira amanheceu esplêndida! Muito sol, céu totalmente azul. Hoje estrearia meu biquini, com certeza!!! Caminhamos até a Praia do Rosa Norte, linda faixa de areia, após uma pequena e charmosa entrada verde. Pela areia fomos até a ponta onde os surfistas disputavam o mar agitado. Enfrentamos as pedras para subir o morro e chegar à Praia Vermelha, do outro lado. Depois das pedras viria a íngreme trilha que nos presenteia com uma vista de tirar o fôlego, que aliás já não era muito após tanta subida, debaixo de sol forte. O quebra-vento já estava na bolsa e o biquini à vista! Oba, preciso de sol, de cor!

A brisa aumenta conforme subimos, e ao enxergarmos a Praia Vermelha, linda e deserta, a descida fica ainda mais convidativa (mesmo sabendo que teríamos que subir tudo de novo na volta!). Agora sim, eu iria entrar no mar. Água congelante, mas vamos lá, se não molhar o cabelo não vale! Para esquentar de novo o corpo, uma pedra na outra ponta me chama e lá nos deitamos para sentir mais uma vez a vida pulsando e o universo presente. Afinal, quando bateu a fome e as maçãs simplesmente não apareceram na bolsa (foram esquecidas em cima da mesa na saída pra praia), apareceu um jovem rapaz, que acampava com os primos na área verde que margeia a praia. Não estava tão deserta, afinal! Que bom, pois ganhamos um pedaço de torta de atum e uma boa hora de prosa, enquanto o vento só crescia e ficava mais gelado. Os jovens acampavam ali pela primeira vez e sofreram com o frio da noite anterior. Mas já iriam embora, e tratavam de consumir todo o resto da comida. Ajudamos!!!

Na volta, ao transpor novamente o morro, a fome já gritava de novo. Seria preciso mais que uns pedaços de torta de atum. Um PF no restaurante da vila foi muito bem-vindo! Paradinha no mercado para comprar uma cerveja e fomos para casa. Um cochilo quase nos fez perder novamente o pôr do sol, mas corremos para a Praia do Rosa Sul, de carro, e conseguimos chegar a tempo. Uma luz laranja ilumina o caminho, as pedras, o mar, o sorriso, e fabrica penumbras que nos inspiram a fotos belas e naturais.

É hora de agradecer em silêncio! Foram os últimos minutos do dia.

A noite teria outros sabores e aromas deliciosos na moqueca de camarão e tainha que preparamos, antes da forte ventania que mudaria totalmente o tempo, trazendo chuva na manhã seguinte. Ainda bem que sexta já era dia de partida rumo a Lauro Müller, onde conheceríamos a Serra do Rio do Rastro, Greg de bike e eu de Fiat Mobi!

BR 101, lá fomos nós. Oops, Greg percebeu que havia esquecido sua jaqueta de inverno no Farol de Santa Marta. Não daria para seguir de bike até o Ushuaia sem ela, então decidimos voltar para buscá-la. Mas nada é por acaso. Resgatada a jaqueta, conhecemos os vizinhos da Pousada, uma família de franceses que tem casa de veraneio no Farol. Já à mesa da sala, degustando meu primeiro café passado numa legítima French Press, e curtindo o animado diálogo em francês, que acompanho muda e com certa dificuldade, mas compreendendo que o velho casal tivera muitas aventuras pelo mundo antes de trazerem a família para o Brasil. Os netinhos à volta pareciam ter a mesma dificuldade em entender o meu português!

Um livro sobre uma viagem pelas Americas sobre duas rodas (América Meridional de Motocicleta – Rumo ao fim do mundo e outras histórias, de Nilson Algarves) me é apresentado pela filha do casal e uma ideia que já me persegue ganha ainda mais força: escrever um livro com Greg, recheado por suas aventuras no pedal, mostrando as paisagens deslumbrantes captadas por seu olhar de National Geografic! Ao escrever essas linhas o pensamento me vem novamente e não quero abandoná-lo. Tenho escrito sobre minha dor e minha saudade de Junior como forma de expressar meu amor e aliviar meu sofrimento. Escrever sobre coisas alegres, viagens e aventuras me faz sentir que estou viva e que há ainda tanto mais a viver. Jornalista que sou, é o que sei fazer, como sei me expressar. Se contar histórias é uma paixão compartilhada, então...