Terceira parte final da visão da Mônica de nosso rolê de carro entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul



A primeira parada em Praia Grande foi no Centro Turístico, onde recebemos um mapa que mostra todos os cânions e atrativos do lugar. Logo nos disseram que seriam necessários uns três dias para ver tudo! Teríamos que esticar bem o tempo, pois só tínhamos dois! Dali fomos para o camping municipal, à beira de um rio, cozinhar os “pampos” pescados em Torres. Greg se atreveu a limpar os peixes e cortar os filés, que fizemos no mini fogãozinho a lenha (ou melhor, gravetos secos). Para não fugir à regra, logo surgiu uma criança à nossa mesa, cheia de perguntas, até sobre os pelos nos braços de Greg, que já estava sem camisa a essa altura. O pequeno Renan era bem simpático, e nos alertou para não cruzar o rio, pois ali vivia um assassino de criancinhas! O que os pais contam para impedir uma escapada pra longe! O camping servia de moradia para duas famílias em enormes tendas, que me trouxeram recordações da infância, dos ciganos que moravam em um terreno baldio, na rua de minha casa, em Goiânia. No Brasil ciganos são sinônimo de gente que ganha dinheiro pela esperteza, explorando pessoas de bem. Carregando este preconceito, eu não queria acampar por ali, para surpresa de Greg, que logo me repreende: são gente como nós, respeita!!!

Como terminamos de comer ainda com sol alto, resolvemos ir conhecer o deck com vista para o vale, onde há um Santuário a Nossa Senhora. Lindo o lugar, para inspirar e refletir, de onde avistamos o início do pôr do sol. Fiz minhas orações por Junior, pedindo à Santa todo o acolhimento e colo de mãe para ele.

Fomos então investigar a segunda opção para o acampamento, indicado pelo rapaz da Lagoa de Fora, e também pelo Centro Turístico. Subimos a serra numa estrada de asfalto, terra, asfalto, terra, assim mesmo, nessa sequência ilógica. Chegando ao Café Colonial encontramos o filho do dono, que nos permite acampar na ruína em frente, que já fora uma lanchonete da família. Com chão, teto e algumas paredes em pé, estaríamos protegidos do vento, e ainda com energia elétrica, além do banheiro gentilmente cedido, bastava atravessar até a varanda do Café, onde o wifi também estava disponível. Acampamento super luxo! Dormimos bem e acordamos ao nascer do sol.

O planejamento era visitar a Cachoeira dos Borges e o Cânion Malacara pela manhã, lá fomos nós. Só para variar, a cachoeira também tinha o acesso pago mas conseguimos passar tranquilamente, pois não havia ninguém. A trilha escorregadia e difícil nos levou até o imenso paredão de pedra, onde um belo arco íris fez as honras de boas-vindas. A água gelada, claro, mas cristalina! O sol nos encoraja a mergulhar e recarregar energias. Greg logo submerge seus colares com pingentes de pedra para absorver os bons fluídos da água corrente. Por ali ficamos um tempo, sem vontade de ir a lugar algum. Na volta, o mantra de Greg deu certo e ao mentalizar que éramos invisíveis, uma mulher próxima à entrada da propriedade não nos viu passar. Economizamos uma grana. Absurdo ter que pagar para ver algo que a natureza construiu gratuitamente, pensa Greg, e concordo.

O objetivo agora era explorar o Cânion Malacara por baixo, o que soubemos que obrigatoriamente exigiria um guia. Deixamos o carro à entrada e, novamente tivemos a sorte do local estar vazio. Era uma quarta-feira tranquila, pelo jeito, e eu já tinha meu guia, o melhor de todos! Ele só não acerta o nome do cânion, mas tudo bem, dou um desconto pro francês! Achamos facilmente o caminho das pedras, literalmente, pois o leito do rio está seco e é por lá que seguimos. Com cuidado e destreza sobre pedras roliças e cheias de musgo, mas não sem um escorregão e tombo completo, que, ainda bem, não me deixou contusões. Em alguns pontos encontramos água, assim como encontramos um guia que voltava com turistas e nos alertou sobre o perigo de jararacas e quedas. Ele falou da proibição de seguirmos sozinhos, mas já estávamos quase no fim da trilha, então indicou um poço para banho e nos desejou sorte. Temos o universo inteiro, pra que sorte? Chegando ao poço, só pela careta e os gritos de Greg, me desanimo a entrar na água, totalmente congelante! O mergulho foi rápido, seus pés saíram quase roxos! Para mim, apreciar a paisagem já era suficiente. Paredões de ambos os lados do rio, recortando o céu enquanto o sol coloria de ouro o nosso caminho. Aliás, as cores estavam todas vivas e com um brilho diferente nesse dia, que se encerraria em breve, não caberiam outras aventuras, estávamos com fome e exaustos. Montamos o mesmo acampamento, no mesmo lugar, e apagamos.

O segundo nascer do sol foi ainda mais belo, com um balão subindo ao fundo, tentamos registrá-lo com o time-lapse da câmera, mas não há tempo a perder. Três outros cânions esperam ansiosos por nossas visitas, agora legalmente gratuitas. O primeiro, Cânion dos Índios Coroados, é uma vista incrível. Ao longe uma cachoeira imensa desce a parede de pedra e na base vemos o leito estreito de um rio, paisagens de uma beleza que só os olhos da alma conseguem imaginar por completo, pois nem mesmo o zoom da câmera consegue captar. O vento é tão forte que sorrateiramente leva os óculos de Greg, que descansavam na pedra de onde ele fotografava a paisagem, à beira do penhasco. À procura dos óculos, ele se arrisca ainda mais à beira do abismo e momentaneamente experimento um pânico terrível. Rezo e peço proteção, em um choro escondido de desespero, enquanto os óculos repousam em algum lugar secreto, impossível de encontrarmos. Vamos em frente. Por sorte sou eu ao volante, enxergando bem com meus dois pares sempre à mão. 

Ao chegarmos ao Cânion de Itambezinho, não esperava ficar ainda mais impressionada, mas seria de fato a paisagem mais deslumbrante de toda a viagem. A trilha nos leva pela margem esquerda do cânion, de onde é possível ver bem de frente uma enorme e imponente cachoeira, dezenas de fotos, todos os visitantes clicando nos melhores spots, quase uma fila em cada mirante, menos nós, claro, sempre à busca de pontos alternativos. Já retornando, uma ciriema cruza correndo o nosso caminho. Parece um animal pré-histórico desengonçado, ri Greg, encantado pela nova descoberta. Uma hora é o suficiente para conhecer este lado do cânion. Ainda havia a margem direita a explorar, mas não antes de um sanduíche com o que tínhamos no carro: pão e abacate. Só faltou o queijo e o ovo frito!

Difícil dizer qual é a trilha mais bonita desse passeio, já que do lado direito uma fenda nas montanhas vai se revelando à medida que avançamos pelo caminho. As fotos panorâmicas traduzem minimamente a magnitude do lugar. É um cânion gigante, em todos os aspectos. Vê-lo do alto nos leva a imaginar que o caminho pelo leito do rio seria ainda mais surpreendente que o do Cânion Malacara. Mas para explorar a Trilha dos Bois, o nome se deve aos bois que distraídos rolavam morro abaixo, seria também necessário um guia profissional.

Já passava de duas horas da tarde quando deixamos a entrada do Parque Nacional de Aparados da Serra, rumo ao Cânion Fortaleza, em Cambará do Sul. Lá chegando, escolhemos a trilha que levava ao pico mais alto. A caminhada rumo ao topo tinha o vento de frente, que à medida que subíamos ganhava força e velocidade, ora nos desequilibrando, ora praticamente nos impedindo de avançar. À beira das pedras era difícil até mesmo focar com o celular, segurá-lo imóvel para uma panorâmica exigia força e concentração. Perder os óculos para o vento é um desastre, perder o iphone seria a catástrofe completa! Seguimos até onde o horário do parque e a dor nos meus pés nos permitiu. Andamos cerca de 18 km nesse dia, que somados aos 20,7 km de caminhada da véspera, com 27 mil passos e subidas equivalentes a 106 andares, começava a cobrar seu preço.

Fomos então à cidade, a procura de repouso. Ao chegar em Cambará do Sul, Greg logo reconhece o trailer do casal que conhecera em Laguna, litoral de Santa Catarina, antes de nosso encontro. Marcos e Alexandra são jovens proprietários de uma agência de publicidade no interior paulista, que montaram uma motor home para viajar as Américas por dois anos. Conseguem viajar e trabalhar online enquanto registram tudo pelas redes sociais, já com milhares de seguidores. Felizes pelo reencontro, logo o @casaltrilhandorotas grava um story do iG com a nossa participação e Greg manda um beijinho francês para conquistar o público! Eles indicam também a hospedagem, num hostel muito aconchegante, embora com preço um tanto salgado para quarto exclusivo. Mas o conforto e privacidade de uma boa cama era tudo que precisávamos depois de duas noites seguidas de acampamento. Na cozinha Greg preparou sua última caipirinha e ainda fizemos um belo risoto de legumes, que comi saboreando uma taça de vinho, meu limite de cada noite. As bebidas não nos tiraram as forças nem o ânimo para a troca de energias ainda mais quentes pouco depois. Aliás, nunca faltou essa energia 😉

No dia seguinte, #partiuCanelaeGramado. Já sabíamos que Gramado seria uma cidade cara, então resolvermos conhecer Canela primeiro e suas opções de hospedagem. Canela tem uma belíssima Catedral de Pedra, bem no centro histórico, recheado de pequenas lojinhas estilo europeu. É uma catedral ao estilo gótico, com torre de 65 metros de altura e um carrilhão de 12 sinos. A iluminação noturna parece ser esplêndida, mas não ficamos para ver. A visita ao interior da igreja já me trouxe as costumeiras lágrimas, de quem não consegue conter a emoção e a dor, especialmente num ambiente rodeado por imagens santíssimas e vitrais ultracoloridos, que modificam toda a luz e atmosfera silenciosa de fé e oração. 

A próxima parada seria num banco para retirar alguns euros, parte obrigatória do próprio sistema do qual Greg fugia em sua jornada, onde não cabem combustível fóssil, avião, sacolas plásticas e garrafas pet. Mas carne vermelha tudo bem! Por hoje não queríamos peixe! Estamos em terras gaúchas afinal, dos mestres do churrasco. Almoço bem servido num restaurante entre Canela e Gramado, onde também encontramos um camping muito bem estruturado, repleto de motorhomes, que por ali passam férias ou ficam meses, e até anos. A pequena cabana de alvenaria substituiria nossa barraca por aqui, espaço para um colchão, duas cabeceiras, tomadas para recarregar telefones e uma janela minúscula. Do lado de fora banheiros limpos com chuveiro quente, churrasqueiras com pias e água potável. Por 30 Reais, perfeito. Já instalados, fomos conhecer Gramado. No caminho, inúmeros parques e atrativos turísticos temáticos, do vinho, do chocolate, dos dinossauros, da locomotiva, e até do Terror! Um terror, realmente. Tudo muito fake, pra turista ver! O centro da cidade já é mais charmoso, muito limpo, sem um cachorro de rua para o qual eu pudesse ofertar a sobra do churrasco do almoço guardada na bolsa! As lojas lindas, os prédios charmosos e muitos, mas muitos bares, cafés, e restaurantes super chiques. Já fui escolhendo onde iria comer um fondue mais à noite, vários ofereciam promoções para a sequência de fondues (queijo, carne e chocolate), perfeito! Para quem nunca comeu o verdadeiro fondue, vou logo experimentar todos de uma só vez! O tour turístico foi rápido, com mapinha na mão, que sempre pegamos nos centros receptivos de informações. O entardecer foi registrado no reflexo do lago, próximo à Praça das Etnias. Lá comprei uma pequena cuca para matar a vontade não saciada em Torres. Voltamos para um banho e colocar uma roupa mais arrumada para visitar o restaurante de fondues. A única blusa da mala ainda não vestida, guardada para o retorno de avião, teve sua vez! Até Greg tem um look mais estiloso em seus miraculosos alforges. 

Desejos gastronômicos saciados, dormimos ao som da chuva, que faria despencar novamente as temperaturas, bem no dia de minha partida, de nossa despedida.

O sábado chegou, como já era de se esperar, já que o dia anterior havia sido uma sexta-feira rs! Enrolamos um pouco para levantar, um pouco mais que o normal. O café saiu e nós também, eu já de malas prontas, a bike já fora do carro, que voltou a ter um assento traseiro. Passamos no mercado, busquei um voucher de hospedagem em Canela, que havia ganho ao passar no pedágio, e voltamos ao Camping. Não sou boa com despedidas, me faltam palavras, me falta o ar. O que eu sentia e desejava dizer, o fiz logo ao acordar, em um texto que enviei a Greg e nos levou a um choro sentido. No longo abraço e nas lágrimas, a certeza do quanto a viagem me reconstruiu, o quanto me preencheu, o quanto eu precisaria dela novamente, em breve, já prevejo. De lembrança, levei comigo apenas o colar de pedra, energizado na cachoeira, que trago hoje ao peito. O gorro que amei usar emprestado ficará para um próximo reencontro, é uma promessa! Mas o que levo na verdade é o tempo. O tempo compartilhado. Nada mais importante que isso. Fomos plenos enquanto juntos, doando 100% do tempo e da atenção um ao outro, quase como um casal de verdade! Mas não somos um casal, somos mais que isso: pessoas simples, do bem, com coração puro e alma bondosa, que sabem se completar e divergir, criticar e harmonizar, viver e sofrer, amar e sorrir, aprender e ensinar, com a generosidade dos livres, coisa para poucos. Bem sabia meu filho, que logo gostou de você. Motor do carro ligado, rodas girando, a estrada me leva embora...

Acordo muito cedo na manhã seguinte, para devolver o carro e pegar o avião. Antes do fim de domingo já estaria em casa para reencontrar a pequena família e os gatos. O tempo foi esticado ao máximo, tal qual um elástico, doze dias se transformaram numa eternidade, que marcará para sempre a minha história.